Um vício e um recomeço

Um vício e um recomeço

Por quase 20 anos, um vício tomou conta da minha vida. Por ser socialmente aceito (e muitas vezes incentivado, talvez como o cigarro há algumas décadas), ele passava despercebido por muitos. Mas não para quem mais importava para mim.

Como outros vícios, ele me apresentou a muitas coisas tentadoras. Me levou a restaurantes sofisticados. Me conectou com pessoas renomadas. Me levou ao exterior com tudo pago. Eu me sentia importante. Mas, obviamente, ele tinha seu lado nefasto. Quantas vezes acordei de madrugada para consumi-lo (ou deixá-lo me consumir)? Quantas vezes deixei de viajar, de passar o fim de semana ou de jantar com a família e amigos por causa dele? Eu saía de casa enquanto todos dormiam. Chegava quando todos estavam dormindo. Tudo por causa dele.

Eu pensava nele a todo momento. Mesmo quando me permitia estar com outras pessoas ou nos momentos de lazer, na maior parte das vezes eu estava apenas de corpo presente. Minha cabeça estava nele.

Em muitos ambientes em que trabalhei, ele era enaltecido. Quanto mais eu me entregasse a ele, mais eu era valorizado. Nestes ambientes, “a fome juntava com a vontade de comer”. O sonho de muitos nestas empresas era ter um mero “final de semana sabático”. Mas eu me achava mais forte do que isso. Eu me entregava a ele de corpo e alma, 24 x 7, sem resistir! Quanto mais me exigiam, mais eu estava lá. E mais longe estava de quem eu amava.

Eu até tinha alguma consciência do seu lado negativo. Mas, no fundo, eu tinha orgulho de ser workaholic. O trabalho era mais importante que tudo na minha vida. Como eu recebia as recompensas “mundanas” que ele oferece – dinheiro, reconhecimento e poder – eu achava que estava tudo bem. Graças a Deus não precisei de um infarto, burnout, divórcio ou de filhos definitivamente desconectados de mim para perceber que aquilo não estava certo. Num dado momento percebi que este não era o caminho. Pelo menos para mim.

Na pandemia, minha mãe faleceu. Hoje percebo o quanto deixei que o trabalho roubasse não só meu tempo com ela, mas em especial a qualidade do tempo que tive com ela. Quantas vezes eu não estava com ela e parei só para “responder um whatsapp” (que iniciava uma conversa que duraria a noite toda) ou “para terminar uma planilha que precisava ser entregue ainda no domingo”. Este tempo com ela não volta mais. Mas decidi que eu não iria mais deixar isso acontecer com minha esposa, meus filhos, amigos e, em última análise, comigo mesmo.

Há uns 5 anos aprendi a conviver melhor com o meu vício e, de certa maneira, a controlá-lo. Mas percebo que a semente dele ainda está lá. Se eu der uma brecha, tenho uma recaída e logo ele reaparece. Por isso, o estado de vigília é constante.

O trabalho é uma dádiva. Ele traz significado a coisas muito importantes. Mas ele não pode ser tudo. Ele não pode estar acima de tudo. Ele deve ser vivido com intensidade e intencionalidade. Mas quem o controla sou eu, e não o contrário.

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